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Ele, o microfone e a mamã

"Radicalismos" de uma mãe galinha, rabiscos e cantorias do pequeno príncipe T e vida, muita vida para vos mostrar. No nosso T3 vivemos e sorrimos muito.

Ele, o microfone e a mamã

O casal e a perda de um filho

Liliana Silva, 09.11.21

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Há nove anos éramos pais de primeira viagem e numa atribulação e reviravolta da vida, caiu-nos aquele bebe no colo com a principal tarefa de nos ensinar. Pouco sabíamos ao que íamos, nada tinhamos planeado, e tornou-se a maior aventura das nossas vidas. Acredito piamente que deste lado, crescemos a três, aprendemos a três e safamo-nos a três. Creio que continuamos envoltos naquela roda gigante a que chamamos vida e estamos longe de atingir o patamar da perfeição (sei bem que não existe ).

Este ano, seria o ano em que iamos , talvez, aproveitar o que na realidade uma gravidez pode trazer, alegria, entusiasmo, esperança...um sem número de adjectivos que acredito piamente também fazerem parte da notícia de um novo ser vivo no mundo e mais particularmente numa família. Sabiamos bem que seria tudo muito diferente, ou talvez até muito igual, mas sabíamos sobretudo que queríamos aproveitar mais aquela experiência do que conseguimos há nove anos atrás.

Quis o destino, a vida e a infelicidade que não fosse assim. Havia planos, houve remodelações e ficámos apenas e só de colo vazio. Ouço falar de casais que não aguentam, que não recuperam, que não se conseguem reerguer enquanto casal, depois de uma perda destas. Talvez por muitas pressões, talvez por sonhos destruídos que apontamos ao outro, talvez por não conseguirem despertar da dor que uma situação destas nos coloca. Infelizmente as expectativas são tantas, que acabamos por nos afastar, por nos fechar num casulo, por não expressar sentimentos...e isso é tudo menos saudavel para uma relação a dois. Dois que perdem um filho. Dois que tinham planos e acabam por deixar quartos vazios e corações despedaçados.

Não quero com este texto expor a minha realidade, muito menos ajuizar quem, feliz ou infelizmente decide rumar em caminhos separados. Apenas dizer que o que aqui se viveu foi a 2. Sempre a 2. Decisões, choros, angústias, medos, até os silêncios foram a 2. Soubemos mais uma vez ser uma parelha que vai remando a 2 contra o que se abateu. Valeu-nos isto! Valeu-nos cada um pegar na sua dor e juntar tudo com o intuito maior de nenhum ficar para trás. Com a certeza que queremos continuar juntos por nós e pelos TT.

Um conselho?! Apenas que não se isolem enquanto individualidades, porque quando se perde um filho, perdem os dois, ficam os dois mais pobres, mas poderá existir um suporte maior chamado AMOR, que vos fará continuar.

Um beijinho 

Liliana

Semana da Sensibilização para a perda gestacional e morte Neonatal

Liliana Silva, 15.10.21

 

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15 de Outubro - dia de relembrar os pequeninos que não ficaram

Sei que será exagerado para todos que vos faça esta pergunta, mas creio que a sensibilização de certos temas só pode ser feita se nos confrontarem com algo que provoque choque!

Imaginem que perdem o vosso bébé...seja por gravidez que não se desenvolveu, seja por aborto espontaneo sem causa, seja por IVG "forçadas" ou interrupções médicas aconselhadas por problemas no feto... imaginem que dentro de vocês cresce uma vida e que por muitas e variadas razões ficam sem essa vida!

Bem sei que é exagerado para todos! Há um ano atrás se me confrontassem com isto nem sequer ia ler um artigo assim, com medo que não soubesse o que dizer, com pavor de dizer asneira, com receio de magoar...

Bem sei que é exagerado para todos! Mas a verdade é que só passando por isto consigo hoje entender que há temas que provocam muita agitação interior porque incomoda, porque choca, porque é aborrecido.

Hoje quero-vos falar do Tomás. O Tomás que não foi planeado mas que passou a ser muito amado desde o dia dos dois risquinhos daquele teste feito a medo. E falo-vos dele porque nestes meses, apenas uma única pessoa me perguntou se eu queria falar dele...apenas uma!! Bem sei que por medo. Muito medo de remexer num assunto que causa tanta dor e porque ao contrário de mim, há muitos pais que preferem não falar! Mas eu falo-vos do Tomás! E falo porque metade do meu coração está com ele e porque o conheci e vi crescer até ao seu 5ºmês. O malandro deu-me desejo de pessego em calda, o meu primeiro desejo. Não me deu muitos vómitos como o mano Tiago, e trouxe com ele a calmia. Com o Tomás a minha ansiedade amainou, dizem que os fetos têm tendência a acalmar a mãe na gestação, e assim foi.
O Tomás era um autêntico mexerico, parecia que andava sempre a dançar aqui dentro, que estava sempre feliz, e quando lhe punha os auriculares na barriga, uiiiii isso é que era mexer e interagir.

Descobri com a perda dele que afinal posso ser boa mãe para dois ou três ou os que viessem, porque o amor não se divide, mas sim multiplica-se. Aprendi com a perda dele que sou mais forte do que digo e o medo que me tolda a visão é só isso mesmo, uma maneira de me controlar que eu não quero. 

O Tomás merece ser falado e lembrado. O Tomás é e será sempre o meu segundo filho. O Tomás deixou o meu colo e a nossa vida um pouco mais vazia. Hoje falo-vos dele porque infelizmente quis o destino que não pudesse carregá-lo ao colo e vê - lo crescer. Hoje, neste dia que marca a perda gestacional e morte Neonatal quero apenas deixar-vos um conselho... Antes de qualquer frase feita ou rótulo, lembrem-se apenas de convidar essas pessoas para beber um café e esperar que elas vos digam o que querem falar, dêem espaço e margem de manobra... Porque coisas como: "logo arranjas outro", "logo começas os treinos outra vez", "foi melhor assim para não teres problemas a vida toda" ou " era só um feto, nem o sentias"... Ainda que não sejam por mal... Custa muitoooo a ouvir.

Sejam felizes 💋

A mãe Liliana

Porque a MENTE também precisa de médico

Liliana Silva, 23.09.21

 

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Tenho um percurso de vida de muitas e longas curvas. Curvas apertadas pelo tempo e pela intensidade com que fui apanhada.

Pauto a minha existência por dar àqueles que amo a verdadeira razão desta vida...o amor verdadeiro. Tenho pelos meus um amor desmedido que me faz ter medo de os perder e sobretudo medo que sofram. Aprendi que não tenho grande poder sobre nada, mas que tenho uma arma bem resistente a tudo o que no fim poderá acontecer...dar tudo de mim para os amar e proporcionar dias inesqueciveis...assim quando partimos sabemos que não ficou nada por fazer e muito menos por dizer. E isso conforta-nos, acreditem que se no fim, tivermos de baixar os braços e precisarmos de resignação, o que fica é a satisfação de termos aproveitado à brava. Fica a saudade! Mas a saudade de momentos bons, rimos com as lembranças e se houver lágrimas será porque o que nos falta foi muito bom num passado bem aproveitado. 

Mas tudo isto que vos falo, traz, por vezes consequeências que nos esgotam sem nos apercebermos. A luta diária, o achar que podemos tudo, o pensar que chegamos a todos e que fica sempre tudo bem, deixa marcas para uma vida. As minhas marcas chegaram à bem pouco tempo. A vida mostrou-me por A+B que estava completamente descarregada. Naquele dia fiz um reset ao meu corpo e à minha mente...e agradeço hoje, ter sido apenas um reset e não uma avaria completa, o que significa que a vida me deu uma nova oportunidade.

Aquilo que achava ser um AVC foi descartado, aquilo que se julgava depois ser um AIT foi igualmente descartado e o que restou no final?? Os tão falados ataques de pânico e ansiedade! Os tão falados, aqueles que eu sempre confortei nos outros estava agora do meu lado e eu não soube lidar com eles. Não soube e não sei ainda...

Sei que a seu tempo as coisas podem ter controle, mas também soube que não o iria conseguir sem ajuda especializada. Sou acompanhada por um psiquiatra desde essa altura e agora mais recentemente por uma psicóloga, devido à perda do meu feijão pequenino, devido à perda do meu Tomás. Tenho ajuda médica qualificada para conseguir continuar a caminhar. Tomo medicação diária para ajudar o meu cérebro e o meu corpo a encontrar o equilibrio que preciso para ser feliz. Faço terapia para conseguir chegar ao meu EU interior e transmitir-lhe a paz que necessita para se manter fiel a mim.

Se tenho vergonha de falar ou contar isto? NUNCA!! Cresci num ambiente onde se falava de psiquiatras como se fala num neurologista, num reumatologista ou numa terapeuta. Sou muito bem resolvida e fui eu que procurei ajuda quando tudo o resto, e falo fisicamente, foi descartado. Sou eu que marco as minhas consultas, peço a minha medicação e faço questão de seguir o tratamento para me sentir bem.

Não...não sou maluca!! Tenho um problema...igual a um braço partido ou umas cataratas nos olhos. Tenho um problema que precisa de acompanhamento e cá ando eu a lutar para ficar melhor.

Julgamos sempre que somos os maiores, os melhores, que nada nos acontece, que conseguimos ultrapassar, que não podemos chorar, que não devemos explodir, que a sociedade vai-nos julgar por sairmos do protótipo de "pessoa normal"!! 

Meus amigos ninguém é NORMAL!!! Atrever-me-ia até a dizer que somos todos portadores de deficiências. Uns mais simples do que outros, claro está, mas todos estamos no mesmo barco. Eu que achava conseguir ultrapassar tudo, verguei.

E hoje, hoje que voltam os dias cinzentos, os dias de chuva, os dias em que inadvertidamente deixamos de trazer o riso nos lábios porque corremos para fugir do mau tempo lá fora, hoje deixo-vos com a minha experiência. Hoje abro mais uma vez um pouco do meu Eu, para poder chegar a alguém que esteja na dúvida. Na dúvida de saber o que se passa porque só lhe apetece chorar, na dúvida de saber porque só lhe apetece estar em casa, na dúvida de não saber lidar com muita gente no shopping, na dúvida de encontrar uma resposta para aquelas confusões do dia a dia. Procurar ajuda é essencial, porque nada disto deve pesar nas nossas cabeças. E quando acharmos que tudo podemos...Até acredito que sim...mas um dia também caímos redondos ao chão sem saber o porquê e aí minha gente, pode ser tarde demais.

Porque como diz o meu querido Raminhos, "Somos todos Estranhos, até percebermos que isso é Normal".

Com estima, 

Liliana 

Um brinde ao Avô

Liliana Silva, 12.09.21

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Somos sem dúvida uns abençoados e afortunados por te ter.

Somos prova viva de que vale a pena lutar e que o amor verdadeiro tudo pode. Se não vejamos... 2004 foi-te dada uma segunda chance na vida! Nesse mesmo ano e nos seguintes estiveste na corda bamba várias vezes, quiseste desistir outras tantas e chegaste ao fundo do poço sem saber que conseguias regressar.

Com tempo, dedicação e amor conseguiste dar a volta e continuar.

Em 2012 a vida tira-te o Amor e replanta uma semente que não fazias ideia que era da mesma espécie... O tal amor verdadeiro. É o que é que fizeste?! Agarraste em tudo e voltaste a mostrar à vida o que querias dela.

Sei que amas este miúdo com um amor especial. Sei que sabes o significado dele. Sei que te apoias nele para continuar, por muito duro que as vezes seja o caminho.

E eu só espero que o meu filho tenha metade da noção do que tu és para ele e para mim. Só espero que um dia, ele saiba que és um lutador porque especial ele já sabe que és.

Obrigada por tomares conta de nós e obrigada neste ano particularmente difícil por teres estado aqui, tu que em vez de me dares o ombro para chorar, obrigaste-me a levantar e a caminhar. Sacudiste a minha monotonia e fizeste-me despertar.

És um herói. O nosso herói sem capa 

O PAI

Liliana Silva, 08.09.21

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Sabemos bem o quão penoso é para uma mulher todo o processo de gerar e dar uma vida. Quando as coisas correm bem, quando as coisas correm mal, somos olhadas e criticadas por fazer. Se fazemos, está mal, se dizemos, poderia ser melhor, se não ligamos somos umas mães de merda, se fazemos frente, devíamos ficar caladas. Assim é e assim será eternamente...criticadas por tudo e em tudo.

E quando temos de arcar com tudo às costas, existe um PAI! Existe alguém que fazendo parte do mesmo lado, não tem nem metade do peso que nos colocam a nós mulheres. Mas eles existem, eles, na maioria das vezes, estão ao nosso lado, e é com eles que tudo faz sentido, neste caminho da maternidade e paternidade, nestes caminhos sinuosos que é ter um filho.

E se quando tudo corre bem, a alegria é repartida, quando tudo corre mal as coisas são vividas de formas diferentes. Não quero com isto dizer que a dor é menor. Nunca! Jamais! O pai deste lado também perdeu um filho! O pai deste lado também viu esvair-se a possibilidade de ter um craque da bola, perdeu a oportunidade de o ensinar a andar de bicicleta, deixou de poder ir com ele ao parque...e sim, há sonhos que ficam perdidos no meio da perda de um filho.

Coube-lhe a dificil tarefa de me manter à tona. Coube-lhe a dificil tarefa de me agarrar a mão num parto de colo vazio. Coube-lhe a dificil tarefa de me enxugar as lágrimas e amparar os gritos de desespero. Coube-lhe a triste imagem de nos despedirmos do nosso pequenino. Coube-lhe a dificil tarefa de me trazer para casa e de reerguer um lar silencioso.

Têm sido dias de construção mútua! Ele encerrou um capítulo que eu ainda não encerrei! Mas ele ainda perde o olhar quando vê um bebé, ele ainda sustem a respiração quando falamos do assunto, ele ainda vai buscar o "tudo o que podia ter sido". Ele que se preparou mais rapidamente para este bebe do que eu mesma, traz no seu coração, bem arrumado, o seu Tomás...sei que sim!

Têm sido dias em que ele dá mais que eu! Têm sido dias em que ele carrega tudo ao colo e "bola para a frente, que não te deixo para trás"! Têm sido dias em que reconhecemos que não, isto não veio fortalecer nada, isto veio mostrar-nos que somos feitos da mesma fibra. Muita coisa nos tem abalado, mas ainda nada nos quebrou. 

E continuamos assim...a viver...a caminhar... de mãos dadas, a tentar perceber a vida!

Obrigada por não me teres deixado desistir.

Com amor, 

Liliana 

 

O Mano Tiago

Liliana Silva, 19.08.21

 

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O Tiago está crescido...muito crescido...a passar uma fase em que, suponho eu, seja de uma pré adolescência precoce ... temos tido muitos disparates, sobretudo aquela fase em que "eu quero, eu posso e eu mando"... Detesto isto  mas cá o vamos levando, sabendo que a missão ainda agora está a começar.

O Tiago está crescido e talvez rebelde...mas noto-lhe a revolta no peito, sinto-lhe tristeza na alma! Não sempre, nem propriamente muitas vezes, mas a verdade é que sim, a verdade é que o que aconteceu pode ter-lhe deixado um buraquinho no seu coração de criança feliz.

Nunca foi uma criança que pedisse irmãos, falava nisso muito por acaso, talvez até, quando os amiguinhos da escola tinham um irmãozinho e aí ele também tocava no assunto. Fora isto nunca senti da parte dele aquela pressão que há em muitas crianças em ter um irmão/irmã. Excepto quando soube que lhe tinha calhado na rifa passar a ser o irmão mais velho. Retive na minha memória as lágrimas de felicidade quando lhe confirmámos que estava grávida, o facto de se lamentar por ainda faltar tanto tempo, a doçura com que beijava a minha barriga e a convicção que tinha ao querer tomar banho comigo abraçado para sentir o bebe.

Lembro-me do dia em que soubemos todos que era um menino e como aceitou de bom grado que o mano se chamasse Tomás (nome que a mãe tinha escolhido).

Os dias foram passando, e ainda que muito dificilmente, conseguimos "esconder-lhe" tudo aquilo por que estavamos a passar...tudo até ao dia em que regressei a casa sem barriga e sem o mano.

Depois de um colo vazio, tive de arranjar forças e palavras para explicar ao mano velho que não ia haver bebe, e digo-vos, foi das tarefas mais ingratas de toda a minha existência. Porque nós adultos conseguimos a magia de gerir as emoções, ainda que às vezes não seja de forma correcta (se é que isso existe)...agora saber como fica uma criança que já tinha tantos planos e tantas expectativas é de todo muito triste. 

Não sei como se conta uma coisa destas a uma criança! Não sei que reacção deveria ter perante a notícia dada! Não sei como eu própria ia reagir ao momento! Fiz tudo da forma mais simples possível, sem muitos pormenores, sem criar muita mágoa. Não me segurei e chorei com ele, ali, naquele quarto, depois de regressar de colo vazio tive de confortar um coração gigante...e ali voltou a doer muito outra vez, ali a revolta voltou a ser enorme, porque perante a pergunta "porque é que os amigos podem ter manos e eu não pude ter o meu?"...eu não soube responder...limitei-me ao silêncio, limitei-me a abraçá-lo com toda a força que tinha e a dizer-lhe que fosse como fosse ele teria agora um anjinho com quem poderia falar sempre.

A maneira mais simples que encontrei para que ele pudesse encarar a nova realidade foi dar-lhe o polvo (peluche) que tinhamos comprado para o mano.

Mamã: "Meu querido Tiago, vou dar-te uma tarefa, vais ficar encarregue do polvo que era para o mano e sempre que te sentires triste, agarras nele e contas as tuas dúvidas, medos ou preocupações como se falasses com o mano Tomás. Ele é teu. Dormirá contigo e poderás levá-lo onde quiseres. Sei que vais cuidar muito bem dele e que te lembrarás sempre que o mano estará onde tu quiseres que ele esteja."

 O Tiago sabe que existiu o Tomás. O Tiago guardou o seu amor, tanto que tinha para lhe dar, guardou-o para sempre. Falamos do mano cada vez com mais simplicidade, ainda que os olhos fiquem cheios de água, não deixamos de falar dele...porque ele é parte de nós!
O Tiago é cada vez mais uma certeza que veio ao mundo com um propósito...o de me fazer acreditar que há caminho que continua a ser preciso desbravar e que quando achamos que o poço não tem fim...chegamos lá, damos impulso e voltamos a tona.

Obrigada Príncipe! Obrigada pela tua valentia.

Um abraço

Liliana 

A nossa decisão

Liliana Silva, 11.08.21

 

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Sempre me considerei uma pessoa muito bem resolvida quanto aos temas tabu da nossa sociedade. Nunca tive dúvidas em assumir a minha posição ou defender aquilo que penso. Muito em parte porque já passei por tanto, que sei o que quero e não quero na minha vida, mas sobretudo por ter bem fundamentado dentro de mim aquilo que considero justo e aceitável. O aborto é tema de discussão na praça pública, mas nunca o foi na minha cabeça.

Defendo o aborto, como defendo a eutanásia, em situações bem fundamentadas e defendidas, nunca actos que são tomados por caprichos ou "fora de horas". 

Ainda que, quando nos toca directamente a coisa mude qualquer sentido ou tomada de opinião que possamos ter. E foi aqui, precisamente que a campainha tocou...este tema tabu não acontece só aos outros, e calhou-nos a dificil tarefa de ter de decidir a vida do nosso filho. 

A opção da amniocentese tinha já sido precipitada por algo menos bom da ecografia morfológica. Quando vamos para saber pormenores do nosso bebe e nos dizem que "não é um bebe que nos deixe descansados" é já um sinal de alerta e de medos interiores. Logo nesse dia foi proposta uma amniocentese, que em situação normal já tinha recusado, mas que agora se tornaria fulcral, mediante o quadro que nos estavam a pintar.

Segundo o obstetra, era um bebe muito quieto e com pequenos pormenores que o estavam a deixar em alerta. 

Amniocentese feita, regresso a casa envolto em silêncios, em medos, em suposições, em conversas meio banais que se tornaram grandes dilemas no mês que demorou o resultado a chegar. Um mês em que sentia a minha barriga crescer, em que interagia com o meu bebe, em que ele se mexia ao meu toque ou ao som da música que lhe punha nos auscultadores encostados à barriga, onde iam chegando as roupinhas já encomendadas... um mês em que tanto queria esquecer mas que ao mesmo tempo foram os dias em que mais atenção lhe dei.

Chega o dia D. Nova ecografia e resultado da amniocentese em cima da mesa. O obstetra começa por observar a evolução (pouca) e pergunta se já tinhamos falado com a equipa de genética. Respondemos a medo que não e aí ele limpa a minha barriga e pede-nos que passemos ao gabinete do lado, onde já toda a equipa nos esperava.

"Temos já os resultados pedidos sobre a amniocentese e se inicialmente aquilo que suspeitavamos veio negativo, por outro lado foi encontrado aquilo que chamamos de síndrome raro e que coloca o vosso filho numa situação bastante dificil, por não sabermos ao certo as extensões dos problemas que poderá vir a ter ou sequer quanto tempo sobreviverá. É uma criança que poderá ter graves problemas a nível de orgãos vitais, cognitivos e físicos. Posto isto, precisamos saber o que pretendem fazer, uma vez que está no limite de tempo para tomar qualquer decisão."

Um gabinete, quatro médicos e nós...ali de mãos dadas, lágrimas nos olhos, revolta no peito, raiva na mente e o coração desfeito. Naquele momento, entre mil e uma perguntas e ao mesmo tempo poucas palavras, tomámos uma decisão em conjunto.

Já o disse muitas vezes, não sou egoísta. Não é aceitável para mim colocar uma criança no mundo para sofrer. É para mim inconcebivel que por mero capricho, façamos sofrer um bebe indefeso que muito provavelmente iria passar o resto da sua vida em hospitais, clínicas e terapias. Não quero isso para um filho meu! 

Carreguei-o por cinco longos meses para depois o "matar", porque foi assim que me senti naquele dia...CULPADA!!

Esta é a razão pela minha gravidez interrompida às 25 semanas de gestação!!

Ainda estou em processo de luto, com ajuda psicológica e psiquiátrica, sem vergonhas, a tentar seguir o meu caminho. Um caminho de braços e colo vazio, do meu bebe. 

Hei-de chegar ao dia em que a palavra matar dará lugar à palavra salvar! Hei-de chegar ao dia em que a culpa seja cada vez menos. Hei-de chegar ao dia em que me perdoarei um pouco. Até lá, junto dos meus, inclusive da nossa estrela mais pequenina, vou apoiando a cabeça e chorando cada vez mais baixinho, para que ele possa encontrar as asas da avó e por lá fique aninhado até ao dia de nos voltarmos a tocar.

Sei que é um tema bastante controverso e polémico. A única coisa que vos peço é que não façam juízos de valor, porque deste lado está uma mãe a tentar sobreviver, um pai a tentar endireitar a casa, e um mano a tentar guardar no seu coração o irmão que sentiu mas nunca chegou a conhecer.

De coração, obrigada por todas as mensagens que nos têm feito chegar. Não há o que esconder, porque estas histórias servem para perceber que infelizmente, não acontece só aos outros.

Xi-coração apertado

Liliana  

 

 

O meu COLO VAZIO

Liliana Silva, 12.07.21

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Uma perda gestacional seja ela qual for é um processo solitário, que implica muitas questões físicas e emocionais que deixam marcas.

Naquela quarta feira regressei a casa de coração completamente gelado. Transportava ali um corpo morto, dentro de mim. Segundo a enfermeira, o que tinha ali agora, era apenas um problema que precisava ser resolvido. Tinha feito tudo o que podia e que a partir dali tinha de pensar em mim. 

Foi uma viagem onde os silêncios foram atrozes... Um carro,duas pessoas sem tema de conversa e muito choro encubrido pelos óculos de sol. 

Deitei-me para além de nervosa, completamente vazia, sem certezas de como as coisas iriam correr, de como eu iria conseguir  um parto natural sem bebé. 

 Tive os MELHORES comigo... E quando digo MELHORES são mesmo!!! E não são só melhores profissionais mas acima de tudo gente tão bem humanizada que acredito terem sido mandados por alguma força maior... Hoje posso afirmar que só por eles não fiquei traumatizada e consegui levantar a cabeça naquele bloco de partos. 

Sexta feira... Nova viagem... A viagem de mais silêncios... A viagem de quem ia com uma barriga e voltaria vazia. A viagem dos vazios. 

Entrada nas urgências... Explicação do processo... E sigo para o internamento. Depois do início do processo, as dores começaram a ser intensas. Já não sabia mais o que fazer, ou o que pensar. Na primeira avaliação senti o olhar da médica e do enfermeiro... Quando me dizem que não iriam fazer sofrer mais e que iria de imediato para o bloco... Desato num choro meio contido e só consigo pensar para mim mesma " é agora que vou ficar sem ele" 

Voltei ao quarto para dizer ao pai que ia para o bloco e nisto vem o enfermeiro auxiliar-me para fazer aquele corredor ao meu lado. Levava o medo no olhar, misturado com lágrimas que mais  do que dor, levavam mágoa e tristeza. 

Não houve tempo para nada... Tal como eu pedia, foi um processo tão rápido e fugaz que nem analgésico e muito menos epidural tiveram tempo de me dar. 

Ouço a enfermeira perguntar se tinha vontade de fazer força e eu só respondi... Quero que seja rápido... 

Pelo meio levantava-me, e procurava um olhar que me fosse familiar... O pai estava a entrar e naquele momento soltei um grito de tristeza tão mas tão grande que ele nem tempo teve de chegar a mim.

Já de mão dada com o pai... Fiz força duas vezes... E as 14. 30h ganhei um colo vazio. 

Percebi naquela altura, que o feeling de uma mãe nunca se engana, e que o medo que sentia nesta gravidez, tinha razão de existir. 

Estava aterrorizada, mas ali nunca me senti sozinha!!!! 

A nossa vontade foi respeitada e não nos mostraram nada... 

 E ali... Depois... doeu bem lá no fundo, descontrole-me e chorei, chorei muito, porque não tinha nada nos braços.

Depois... Já meio recomposta... E sozinha, a enfermeira parteira chegou ao meu lado e perguntou me se havia algum motivo específico para que não quisesse ver o bebé... 

Entre soluços só consegui dizer-lhe que tinha medo. E aquela conversa que durou 5minutos fizeram mudar a minha opinião. 

Decidi conhecer o meu filho... O MEU TOMÁS. 

Obrigada a toda a equipa da Maternidade Bissaya Barreto em Coimbra, todos sem qualquer excepção... Desde auxiliares a enfermeiros e médicos... Por me terem respeitado enquanto mãe e mulher. Acreditem que já há quase 2 anos que não abraçava ninguém, e ali, todos abriram os braços para me transmitir o calor humano em momentos tão mas tão dolorosos. 

Re(Começar)

Liliana Silva, 06.07.21

 

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Como se recomeça, depois de uma queda que nos tira o folego, nos leva a alma e nos deixa num silêncio ensurdecedor e colo vazio?

Não sei!! Acreditem que ainda não sei!! Mesmo quando há 9 anos caí num buraco tão igualmente profundo, continuo a não saber como se recomeça. Creio eu, que não há fórmulas feitas ou equações que tenham resultado positivo, quando na realidade tudo o que vemos é subtrações. Há 9 anos tiraram-me a minha mãe, este ano tiraram-me um filho!

Estas quedas livres não são fáceis e acho que os melhores ingredientes que lhe posso dar é sobretudo tempo e amor.

Perder um filho custa!!! E custa muito, tenha ele semanas, meses ou anos, seja ele de gestação ou vida vivida! É um filho, é um projecto de vida!!

E quando ouvimos o "sorte a tua que já tens lá um", "agora é tentar o próximo" ou "deixa lá que ainda és nova" dá-nos única e simplesmente raiva! Quando se acha que uma simples frase dá alento, perguntem primeiro se gostariam de a ouvir caso fosse com vocês. Bem sei que não se faz por mal. Sei perfeitamente que ninguém está preparado para confortar o outro da melhor forma que é possível, nem sequer são obrigados a isso, mas por favor, parem para pensar antes de falar!!

Infelizmente a perda gestacional é um tema que magoa tantas e tantas famílias, tantas mães com expectativas defraudadas e colos vazios. Um tema que pouco se fala, uma conversa que muitos não querem ter porque é incomodo ou porque magoa.

Há quem não veja a cara daquele feto/bebe e só por aí está tudo melhor, e parece que a coisa se resolve mais rápido. Outros há, como no nosso caso, em que a realidade era outra e o consegui ter deitado ao meu lado para lhe sussurrar ao ouvido que partisse em paz. Mas em nenhum caso fica tudo bem! Não há nada que possa ficar bem depois da perda de um filho. Não há poção mágica nem pozinhos de perlimpimpim que façam desta história um final feliz. Há uma família que fica sem um membro, há sonhos desfeitos, há planos que não vão ser concretizados.

Gostava de vos dizer como...mas ainda não encontrei o caminho, sendo certo que continuarei a caminhar. Não tenho certezas de nada, não sei como vai ser no futuro, não sei sequer se voltarei a "estar de barriga". Sei que depende de nós, sei que depende da força com que nos agarramos à vida e aos que de nós dependem. Sei que tenho feito a minha parte, ainda que incompleta, faço de tudo para me manter à tona. 

E quando me perguntam como estou...a resposta é "vou remando", e remar não significa esquecer ou doer menos..."remar" significa continuar a querer ser ainda mais feliz, ainda que este meu coração esteja já tão partido e massacrado.

E é em dias como o desta fotografia que vou respirando fundo e tentando encontrar uma paz interior que me permita continuar. Porque "show must go on" 

Uma barriga que não chegou ao fim

Liliana Silva, 02.07.21

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Há temas para os quais nunca haverá palavras, textos ou floreados que consigam atenuar o que quer que seja. Há assuntos que, de tão frágeis que são, nunca em momento algum conseguiria tocar. Há momentos que são tão "pessoais e pesados" que jamais me conseguiria pronunciar...até hoje...até ao dia em que vos falo na primeira pessoa e de coração desfeito.

No início achei que seria apenas um PESADELO!!

Daquelas histórias que ouvimos nos programas matutinos, nas bocas de pessoas conhecidas ou até mesmo de alguém mais próximo!!

NUNCA a nós mesmos!!!

Até acordar e perceber que mais uma vez fui apanhada na teia chamada VIDA REAL!!

Uma realidade prontinha para me testar ao limite, que me faz chorar, que me tira o ar e para a qual ainda não tenho palavras quanto mais sentido!

Depois de um bom tempo remando contra a maré, finalmente começo agora a perceber que não terei todas as respostas, e que não me resta outra alternativa senão aceitar tudo aquilo que não posso controlar. Aceitar não passivamente, mas com resignação e gratidão, mesmo quando dói.

Peço-vos apenas respeito nesta fase delicada, que não me façam perguntas e que me deixem viver esta dor e gerir tudo. A seu tempo, a teia volta a tomar caminho e aí seguirei pronta, de mãos dadas com os meus, que tanto e tão bem me têm valido❤️