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Ele, o microfone e a mamã

"Radicalismos" de uma mãe galinha, rabiscos e cantorias do pequeno príncipe T e vida, muita vida para vos mostrar. No nosso T3 vivemos e sorrimos muito.

Ele, o microfone e a mamã

O meu COLO VAZIO

Liliana Silva, 12.07.21

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Uma perda gestacional seja ela qual for é um processo solitário, que implica muitas questões físicas e emocionais que deixam marcas.

Naquela quarta feira regressei a casa de coração completamente gelado. Transportava ali um corpo morto, dentro de mim. Segundo a enfermeira, o que tinha ali agora, era apenas um problema que precisava ser resolvido. Tinha feito tudo o que podia e que a partir dali tinha de pensar em mim. 

Foi uma viagem onde os silêncios foram atrozes... Um carro,duas pessoas sem tema de conversa e muito choro encubrido pelos óculos de sol. 

Deitei-me para além de nervosa, completamente vazia, sem certezas de como as coisas iriam correr, de como eu iria conseguir  um parto natural sem bebé. 

 Tive os MELHORES comigo... E quando digo MELHORES são mesmo!!! E não são só melhores profissionais mas acima de tudo gente tão bem humanizada que acredito terem sido mandados por alguma força maior... Hoje posso afirmar que só por eles não fiquei traumatizada e consegui levantar a cabeça naquele bloco de partos. 

Sexta feira... Nova viagem... A viagem de mais silêncios... A viagem de quem ia com uma barriga e voltaria vazia. A viagem dos vazios. 

Entrada nas urgências... Explicação do processo... E sigo para o internamento. Depois do início do processo, as dores começaram a ser intensas. Já não sabia mais o que fazer, ou o que pensar. Na primeira avaliação senti o olhar da médica e do enfermeiro... Quando me dizem que não iriam fazer sofrer mais e que iria de imediato para o bloco... Desato num choro meio contido e só consigo pensar para mim mesma " é agora que vou ficar sem ele" 

Voltei ao quarto para dizer ao pai que ia para o bloco e nisto vem o enfermeiro auxiliar-me para fazer aquele corredor ao meu lado. Levava o medo no olhar, misturado com lágrimas que mais  do que dor, levavam mágoa e tristeza. 

Não houve tempo para nada... Tal como eu pedia, foi um processo tão rápido e fugaz que nem analgésico e muito menos epidural tiveram tempo de me dar. 

Ouço a enfermeira perguntar se tinha vontade de fazer força e eu só respondi... Quero que seja rápido... 

Pelo meio levantava-me, e procurava um olhar que me fosse familiar... O pai estava a entrar e naquele momento soltei um grito de tristeza tão mas tão grande que ele nem tempo teve de chegar a mim.

Já de mão dada com o pai... Fiz força duas vezes... E as 14. 30h ganhei um colo vazio. 

Percebi naquela altura, que o feeling de uma mãe nunca se engana, e que o medo que sentia nesta gravidez, tinha razão de existir. 

Estava aterrorizada, mas ali nunca me senti sozinha!!!! 

A nossa vontade foi respeitada e não nos mostraram nada... 

 E ali... Depois... doeu bem lá no fundo, descontrole-me e chorei, chorei muito, porque não tinha nada nos braços.

Depois... Já meio recomposta... E sozinha, a enfermeira parteira chegou ao meu lado e perguntou me se havia algum motivo específico para que não quisesse ver o bebé... 

Entre soluços só consegui dizer-lhe que tinha medo. E aquela conversa que durou 5minutos fizeram mudar a minha opinião. 

Decidi conhecer o meu filho... O MEU TOMÁS. 

Obrigada a toda a equipa da Maternidade Bissaya Barreto em Coimbra, todos sem qualquer excepção... Desde auxiliares a enfermeiros e médicos... Por me terem respeitado enquanto mãe e mulher. Acreditem que já há quase 2 anos que não abraçava ninguém, e ali, todos abriram os braços para me transmitir o calor humano em momentos tão mas tão dolorosos. 

Re(Começar)

Liliana Silva, 06.07.21

 

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Como se recomeça, depois de uma queda que nos tira o folego, nos leva a alma e nos deixa num silêncio ensurdecedor e colo vazio?

Não sei!! Acreditem que ainda não sei!! Mesmo quando há 9 anos caí num buraco tão igualmente profundo, continuo a não saber como se recomeça. Creio eu, que não há fórmulas feitas ou equações que tenham resultado positivo, quando na realidade tudo o que vemos é subtrações. Há 9 anos tiraram-me a minha mãe, este ano tiraram-me um filho!

Estas quedas livres não são fáceis e acho que os melhores ingredientes que lhe posso dar é sobretudo tempo e amor.

Perder um filho custa!!! E custa muito, tenha ele semanas, meses ou anos, seja ele de gestação ou vida vivida! É um filho, é um projecto de vida!!

E quando ouvimos o "sorte a tua que já tens lá um", "agora é tentar o próximo" ou "deixa lá que ainda és nova" dá-nos única e simplesmente raiva! Quando se acha que uma simples frase dá alento, perguntem primeiro se gostariam de a ouvir caso fosse com vocês. Bem sei que não se faz por mal. Sei perfeitamente que ninguém está preparado para confortar o outro da melhor forma que é possível, nem sequer são obrigados a isso, mas por favor, parem para pensar antes de falar!!

Infelizmente a perda gestacional é um tema que magoa tantas e tantas famílias, tantas mães com expectativas defraudadas e colos vazios. Um tema que pouco se fala, uma conversa que muitos não querem ter porque é incomodo ou porque magoa.

Há quem não veja a cara daquele feto/bebe e só por aí está tudo melhor, e parece que a coisa se resolve mais rápido. Outros há, como no nosso caso, em que a realidade era outra e o consegui ter deitado ao meu lado para lhe sussurrar ao ouvido que partisse em paz. Mas em nenhum caso fica tudo bem! Não há nada que possa ficar bem depois da perda de um filho. Não há poção mágica nem pozinhos de perlimpimpim que façam desta história um final feliz. Há uma família que fica sem um membro, há sonhos desfeitos, há planos que não vão ser concretizados.

Gostava de vos dizer como...mas ainda não encontrei o caminho, sendo certo que continuarei a caminhar. Não tenho certezas de nada, não sei como vai ser no futuro, não sei sequer se voltarei a "estar de barriga". Sei que depende de nós, sei que depende da força com que nos agarramos à vida e aos que de nós dependem. Sei que tenho feito a minha parte, ainda que incompleta, faço de tudo para me manter à tona. 

E quando me perguntam como estou...a resposta é "vou remando", e remar não significa esquecer ou doer menos..."remar" significa continuar a querer ser ainda mais feliz, ainda que este meu coração esteja já tão partido e massacrado.

E é em dias como o desta fotografia que vou respirando fundo e tentando encontrar uma paz interior que me permita continuar. Porque "show must go on" 

Uma barriga que não chegou ao fim

Liliana Silva, 02.07.21

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Há temas para os quais nunca haverá palavras, textos ou floreados que consigam atenuar o que quer que seja. Há assuntos que, de tão frágeis que são, nunca em momento algum conseguiria tocar. Há momentos que são tão "pessoais e pesados" que jamais me conseguiria pronunciar...até hoje...até ao dia em que vos falo na primeira pessoa e de coração desfeito.

No início achei que seria apenas um PESADELO!!

Daquelas histórias que ouvimos nos programas matutinos, nas bocas de pessoas conhecidas ou até mesmo de alguém mais próximo!!

NUNCA a nós mesmos!!!

Até acordar e perceber que mais uma vez fui apanhada na teia chamada VIDA REAL!!

Uma realidade prontinha para me testar ao limite, que me faz chorar, que me tira o ar e para a qual ainda não tenho palavras quanto mais sentido!

Depois de um bom tempo remando contra a maré, finalmente começo agora a perceber que não terei todas as respostas, e que não me resta outra alternativa senão aceitar tudo aquilo que não posso controlar. Aceitar não passivamente, mas com resignação e gratidão, mesmo quando dói.

Peço-vos apenas respeito nesta fase delicada, que não me façam perguntas e que me deixem viver esta dor e gerir tudo. A seu tempo, a teia volta a tomar caminho e aí seguirei pronta, de mãos dadas com os meus, que tanto e tão bem me têm valido❤️