Um mês de Mim mesma e dos outros
Há precisamente um mês entrava na minha casa com um aperto no coração e uma grande interrogação na alma. Falava-se muito, ouvia-se ainda mais, as notícias tornaram-se pesadas e as ruas mais vazias. O silêncio ensurdecedor das estradas antevia um cenário para o qual não estava preparada.
Nesse dia, almocei com o meu pai pela última vez, abracei-o já a medo e despedi-me com um "até já e não te esqueças que estou sempre aqui ainda que possa não estar presente fisicamente".
Nesse dia, sexta-feira, o Tiago andou nos baloiços da escola pela última vez até então, e disse aos amiguinhos que ia ficar tudo bem. Convictos que seriam apenas umas férias mais prolongadas, mas que passariam rápido e logo regressariam à rotina das corridas e das trapalhadas.
Nesse dia, falei presencialmente com os outros pais e concordámos todos que ia ser duro (mal nós sabíamos o que por aí vinha).
Nessa sexta-feira meti a chave na porta com a certeza que seria por muitos dias...dias aos quais ainda não me habituei.
Passaram 32 dias, onde me reiventei, me redescobri, me irritei, me odiei...onde já ri muito mas onde as lágrimas teimam em cair nos dias mais pesados. Passaram 32 dias e não pensei que me sentiria tão presa. Passaram 32 dias onde já fiz um pouco de tudo, onde invento mapas semanais para o miúdo, onde invento actividades físicas para não perder o foco, onde cozinho bolos e bolinhos para passar o tempo e trazer algum alento aos dias. Já arrumei gavetas perdidas, limpei janelas e postigos, fiz reciclagem de materiais e deitei fora muitas das coisas que guardava por medo de me perder na memória que deles tinha.
Passaram 32 dias... um mês a ouvir novos casos, mortes, confinamentos, isolamentos...e continuamos todos na incerteza de um futuro que neste momento está confinado às paredes da nossa casa.
E se nuns dias acho que estou rodeada pelas asas de um anjo, outros há que acho que o demónio incendeia as paredes deste meu T3 e querem saber...? Ou isto nos faz dar uma grande volta ou então de nada serviu para sermos melhores pessoas.
Quero acreditar que vai ficar tudo bem, mas sei que isso nunca será possível para todos e no mesmo pé de igualdade. Questiono-me muitas vezes se as pessoas terão realmente noção da dimensão da bolha em que estamos metidos...é que a mim parece-me que ela rebenta com tamanha facilidade que leva tudo e todos, sem escolher e sem olhar.
Passaram 32 dias... a 13 de Março entrei com o meu filho em casa e desde então tenho medo de tudo e de todos! Dizem que quando isto acabar vamos abraçar-nos ainda com mais força e com mais vontade, mas será? Será que depois de tudo isto vence o medo ou o Amor?
Marco no calendário da minha memória este mês, estes dias inteiros e tão incompletos. Se antes estavamos prisioneiros do tempo e do relógio, neste momento, tempo é coisa que não nos falta e ainda assim continuamos a ter esta sensação de prisão.
Que nestes cruzamentos da vida, sejamos capazes de encontrar em nós mesmos, coragem para continuar a caminhada que a vida nos destinou.
E porque para encontrar-mos o arco-Íris precisamos passar pelas tempestades, EU ACREDITO
(Ps. Pai, aguenta isso aí que ainda há muito caminho a percorrer)